Os escritórios estrangeiros que estão regularmente no país têm pleno direito de participação na política de classe. Assim, eventual ajuda financeira, logística ou mesmo apoio moral a qualquer candidato é absolutamente compreensível.
Questão relevante, de fato, que tem de ser cuidadosamente analisada, é o afrouxamento das normas de entrada de escritórios estrangeiros no Brasil. Discordo das teses veiculadas na última quarta-feira (16/5), em artigo na ConJur. O tema é de fato importante e merece um debate.
Falaciosa nos parece ideia de que a entrada das firmas estrangeiras aumentaria o mercado de trabalho. Embora, à primeira vista, a afirmação possa parecer óbvia, não o é.
Com a crise mundial, as grandes firmas de advocacia internacional passaram, e ainda passam, por grandes dificuldades financeiras. Muitas estão sendo fechadas, outras encontram-se em estado pré-falimentar. Diante deste cenário, as firmas passaram a buscar novos mercados e, naturalmente, o Brasil atraiu suas atenções. Podem acompanhar seus clientes no “novo mercado”.
É simplista imaginar que a vinda de grandes firmas geraria maior número de empregos e, portanto, beneficiariam muitos advogados locais. Não é possível esquecer que, com a vinda dessas empresas, o mercado nacional será fatiado e os grandes escritórios nacionais – que sobreviveram quando o interesse econômico não existia para os estrangeiros; que passaram por anos e anos de crises; que arcaram com o “custo Brasil” nos momentos mais inóspitos de nossa economia – terão que disputar o mercado, do dia para a noite, com firmas monstruosas, grupos internacionais que, aproveitando-se dos seus clientes, virão em condições absolutamente favoráveis.
A consequência parece clara: teremos redução de empregos nos escritórios nacionais e crescimento nos escritórios recém-chegados. Portanto, não há que se falar em aumento de mercado de trabalho, mas simplesmente numa migração, sabe-se lá como, de uns para outros.
Mas não é só. Estes escritórios, em sua maioria, aproveitam a grande “onda” da economia nacional, que, se continuar – oxalá continue por muitos anos – levará a bancarrota muitos escritórios nacionais que com eles disputarão clientes. Isso durante o tempo de “vacas gordas”, pois tão logo a situação se altere, assistiremos à retirada dos estrangeiros, e os escritórios nacionais que não tiverem sido absorvidos estarão na penúria.
Sempre entendi que a abertura do mercado é um grande avanço mundial, mas será que a globalização é de fato um movimento tão generoso para países como o Brasil? Será que as firmas de advocacia e os advogados em geral vão efetivamente crescer ou ganhar com tal abertura?
Sempre refleti sobre a matéria como uma forma de reciprocidade, mas no mercado mundial encontraremos situações que exemplificam a impossibilidade prática desta reciprocidade.
Alguém acredita ser possível a um grande escritório brasileiro disputar o mercado londrino de igual para igual com uma centenária banca inglesa? É possível imaginar que uma empresa inglesa contratará uma banca brasileira em Londres?
Quem conhece o mundo jurídico internacional sabe que essa possibilidade é, no mínimo, remota. E isso nada tem a ver com a qualidade dos nossos profissionais, mas com a tradição secular dos escritórios ingleses, bem como com a xenofobia, ou nacionalismo, dos grandes grupos empresariais que preferem – tendo a opção – trabalhar com sua própria firma de advocacia, que lhes presta serviços pelo mundo afora e tem a mesma identidade cultural.
Portanto, se, por um lado não teremos crescimento no mercado de trabalho, por outro também não teremos uma concorrência leal, equilibrada e igualitária.
Soma-se a isso a grande problemática financeira, já que muitas das firmas receberão seus pagamentos no local de origem e não necessariamente no Brasil. Assim, os recursos sequer virão ao Brasil e, se vierem, aqui não ficarão: o lucro será transferido para a matriz. Assim, vantagem econômica também não se vislumbra.
Direito não é puramente uma questão econômica. Direito é social, é preocupação com o povo, com a sociedade. O papel social dos escritórios de advocacia não pode ser esquecido, numa visão puramente mercantilista.
O diálogo é válido, o debate necessário, e as conclusões virão com o tempo, o mesmo tempo que acredito ser necessário para chegarmos a uma resposta justa, equilibrada e equânime desse problema. Enfim, mais que uma simples questão de xenofobia, ou puro nacionalismo, é uma discussão absolutamente necessária e salutar, em defesa – é bom que se diga – dos escritórios de advocacia que aqui estão. Abertura tresloucada, obviamente não defendida no artigo que contestamos, poderá nos trazer inúmeros e irremediáveis problemas.
Roberto Podval é advogado criminalista e Presidente do Conselho do MDA – Movimento de Defesa da Advocacia.