Texto lido pelo Dr. Roberto Podval.

08/07/2004

DESAGRAVO PÚBLICO

No dia 16/05/2007 a Seccional de São Paulo da OAB,promoveu a sessão Solene de Desagravo Público dos advogados e conselheiros doMDA, Dr. Roberto Podval e Dra. Beatriz Dias Rizzo, em razão das ofensas √†ssuas prerrogativas profissionais, praticadas pelos Srs. Antônio Carlos Magalhães,Efraim Moraes e Leonel Pavan, Senadores da CPI dos Bingos. Leia, na íntegra:

(i) discurso proferido pelo Dr. Euro Bento Maciel e (ii) texto lido pelo Dr. Roberto Podval

SEMINÁRIO: REGULAÇAO DE INFRA-ESTRUTURA

O IASP – INSTITUTO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO REALIZARÁ UM SEMINÁRIO SOBRE”REGULAÇÃO DOS SETORES DE INFRA-ESTRUTURA”, NOS DIAS 28, 29, 30 E 31 DEMAIO DE 2007. Consulte.

Discurso Proferido na Sessão Pública de Desagravo aosAdvogados ROBERTO PODVAL e BEATRIZ DIAS RIZZO, realizada na “CASA DOADVOGADO” da SECCIONAL da OAB-São Paulo, sediada na Praça da Sé, número385, nesta Capital do Estado de São Paulo, √†s 17:00 horas do dia 16 de maio de2007.

EURO BENTO MACIEL

Neste encontro de advogados e dacidadania paulista e paulistana, abre-se a porta da história para registrarmais uma das injustiças de que temos sido vítimas, em decorrência de ato legítimodo exercício profissional da advocacia.

Que, desgraçadamente, ainda perduram neste início do século XXI,quando sopram, em todos os quadrantes, ventos libertários e democráticos, querpela incompreensão dos que nos acusam, quer pelas cautelas com que seresguardam aqueles que confundem o defensor com o delinq√ºente e a defesa com ocrime.

Os advogados ROBERTO PODVAL e BEATRIZ DIAS RIZZO, regularmente inscritosno quadro próprio desta Casa, foram vilipendiados no seu exercícioprofissional.

E o pior, por fatos que se passaram no interior daquela que deveria ser a”Casa do Povo”, o templo da democracia e da liberdade de expressão, que éo Congresso Nacional.

A palavra, entretanto, na defesa e orientação de seu constituinte, nãofoi ali permitida aos ilustres Desagravados, que, ademais, foram destratados, aníveis da descortesia, da deselegância e da completa falta de educação,pelos Senadores Leonel Pavan, Antônio Carlos Magalhães e EfraimMoraes, os agravantes, então integrando a chamada “CPI dos Bingos”, daqual o último era o Presidente.

De fato, os Desagravados ali estavam, em pleno exercício profissional daadvocacia, acompanhando o cliente Marcelo Sereno, que depunha na referida”CPI”, quando este, perguntado sobre matéria técnica por um dos Senadores,quis ouvir, a respeito, a opinião do seu advogado, o Desagravado RobertoPodval, mas esse direito lhe foi negado pelos parlamentares, que lhe disseramque “o advogado ali não tinha direitode falar".

Ao que interveio, então,prontamente, o patrono, esclarecendo que podia, sim, falar com o seuconstituinte, para transmitir-lhe a orientação técnica desejada, mas foimandado “calar a boca”, ao que Roberto Podval advertiu que não se calaria,pois tinha o direito, que lhe é assegurado pelo Estatuto da Advocacia, de falarcom o seu cliente, já que o artigo 7¬∫, da Lei Federal número 8.906, de 04 dejulho de 1994, estabelece que é direito do advogado “usar da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal, medianteintervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relaçãoa fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento, bem como parareplicar acusação ou censura que lhe forem feitas”, bem como que édireito do profissional da advocacia “reclamar,verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade,contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento”.

Daí porque, dirigiu-se o advogado, então, ao Presidente da “CPI”,Senador Efraim Moraes, e pediu que lhe fosse assegurada a palavra pela ordem,pois tinha uma questão de ordem sobre o seu papel de advogado ali naquelemomento, mas este, entre revoltado e colérico, descartou, aos gritos de “aqui não vai falar não!”, o justo pleito do advogado.

A partir desse instante, osDesagravados tiveram seus microfones cortados, tendo passado, daí para afrente, a responder √†s imprecações, aos gritos e com os seus microfonesabertos, dos Senadores Efraim Moraes, Leonel Pavan e AntônioCarlos Magalhães, que mandavam, a todo instante, de dedo em riste, que eles”calassem a boca”, porque ali não iriam falar, com os amplificadores de vozque Deus lhes dera: a garganta e a coragem.

E foi assim que os agravantes, em pleno Congresso Nacional,desmandaram-se em puro arbítrio, e falta de civilidade, contra as prerrogativasprofissionais dos Desagravados, e até mesmo contra as mais comezinhas regras daboa educação, tão caras à imensa maioria do nosso povo, esquecidos de que aatuação livre e independente dos advogados, além de ser, entre nós, preceitolegal, é também princípio inscrito na mente dos povos cultos e democráticos,como garantia impertérrita do cidadão contra a prepotência e o arbítrio doEstado, que há de ser, por isso mesmo, permanentemente por todos assegurada,notadamente por Juízes e Tribunais, sob pena de subversão das franquias democráticase de aniquilação dos direitos do cidadão.

Pois que, como escreveu SérgioRosenthal em trecho lapidar de artigo que produziu sobre o entrevero: “afunção de investigar não pode resumir-se a uma sucessão de abusos e nem devereduzir-se a atos que importem em violação de direitos ou que impliquemdesrespeito a garantias estabelecidas na Constituição e nas leis. O inquéritoparlamentar, por isso mesmo, não pode transformar-se em instrumento de prepotênciae nem converter-se em meio de transgressão ao regime da lei”.

Notadamente quando, como tem sido recorrente de uns tempos a esta parte,os métodos de investigação têm sido praticados √†s avessas, porque, numainvestigação conduzida dentro da normalidade, parte-se de um fato, para sedescobrir o seu autor.

Agora, não!

Parte-se de um autor, para depois se buscar o fato, notadamente se ainvestigação envolve advogados ou advogadas, e seus escritórios de advocacia.

De modo que, a renovação periódica de incidentes semelhantes ouassemelhados, além de extremamente preocupante nos dias que correm, em queparece estarmos em processo de retrocesso a tempos sombrios, medievais – nãomuito distantes -, que já vivemos, serve, também, para demonstrar as enormesadversidades que, em todo o curso da história, sempre têm acompanhado osprofissionais da advocacia, neste País e fora dele.

São advogados ameaçados, escritórios e casas de advogados invadidos,ou vasculhados, à socapa, na calada da noite, advogados processados, advogadosperseguidos, advogados acusados e presos e até advogados assassinados em plenoexercício profissional, surpreendidos, não raro, por emboscadas nos vilarejos,nas estradas, nos campos, e até mesmo nas ruas dos grandes centros urbanos.

De outroturno, Autoridades mal formadas, ou despreparadas para o ministério que ocupam,insistem em violar-lhes as prerrogativas, como se estas só pertencessem,individualmente, a cada advogado, e não fossem conquistas da cidadania contra aarrogância e a prepotência do Poder.

Não obstante as adversidades, os advogados e as advogadas, comodefensores que são da liberdade – e assim também o fizeram os ilustresDesagravados – continuam a sua luta incessante em prol dos direitos do cidadão,da dignidade humana e da garantia da liberdade, bem maior depois da vida, como aClasse o vem fazendo através dos séculos, pois não foi à toa que há mais demil e quatrocentos anos, registrando para a posteridade o legado de Roma que abarbárie não pôde destruir, fez o Imperador Justiniano inscrever, no”Corpus Juris Civilis”, a síntese da nossa vocação:

“Pois não cremos que em nosso império militem unicamente os quecombatem com espadas, escudos e couraças, senão também os advogados; porquemilitam os patronos de causas, que confiados na força de sua gloriosa palavradefendem a esperança, a vida e a família dos que sofrem”.(Cf. “Codex”, Libro II, VII, 14, “apud” “Cuerpo del Derecho CivilRomano”, García del Corral, Editor Jaime Molinas, Barcelona, 1892, volume V,tomo I, 2ª parte, página 244).

Por couraça,a beca; por arma, a palavra. Vibrando na palavra e pulsando sob a beca, um coração.Eis o retrato do advogado.

Não se lhe pode, portanto, em hipótese alguma, cercear-lhe a palavra,como os Desagravados a tiveram cerceada.

Entretanto, é tão íntima a associação que irmana o advogado e adignidade humana – e é essa a grande preocupação que nos assalta nosesquisitos tempos que atualmente vivemos -, que, toda vez que se pretendeviolentar a última, torna-se imperativo silenciar o primeiro.

Tem sido assim em todo o curso da história universal, tanto que, paraficar só no exemplo mais marcante dessa verdade axiomática, basta ver-se queos defensores de Luiz XVI, em França, que haviam colocado o talento e a coragemà disposição do Rei, adotaram, como fórmula para demarcar a posição dadefesa perante o arbítrio do “Tribunal do Terror”, o seguinte lema: “eu trago à Convenção a verdade e a minha cabeça; ela poderá disporde uma, depois de ter ouvido a outra”.

E foi assim que a cabeça do intrépido advogado francês Malesherbes,porque essa expressão não era simples figura de retórica, mas a exata consciênciada responsabilidade assumida, de par com a de Luiz XVI, seu constituinte, tambémrolou no cesto da guilhotina.

Esquecem-se, os tiranos de plantão, que episodicamente empalmam o poderaqui e acolá entre as Nações, de que a advocacia não é apenas o exercíciode uma profissão privada, ou tão só o desempenho de um serviço público.

Ela éambas as coisas, sem confusões e nem contradições, como está, expressamente,disposto na lei, pois o advogado exerce “munus publicum”, embora em ministérioprivado, e só poderá haver justiça onde haja o ministério independente eprobo dos advogados, pois os Tribunais de onde eles desertarem, como jáobservara José Eduardo Prado Kelly, em seu discurso de posse na Presidênciada Ordem dos Advogados do Brasil, em 11 de agosto de 1960, “serãomenos o templo do que o túmulo da Justiça”.

O “officium publicum” da advocacia – já reconhecido entre nósdesde o Império, com o aviso ministerial número 326, de 15 de novembro de 1870-, marcado pelo monopólio do “jus postulandi” privado em todas as instâncias,bem demonstra que a atividade judicial do advogado não visa, apenas eprimariamente, à satisfação de interesses privados, mas à realização dajustiça, finalidade última do processo litigioso.

Por isso que aí está, em nosso ordenamento jurídico-positivo, o artigo133, da Constituição Federal, a colocar o advogado não como mero expectadorna mecânica da jurisdição, mas como seu componente indispensável e inafastável,em posição eq√ºipolente, embora de promontórios diferentes, à dosMagistrados e à dos membros do Ministério Público, a formarem o tripé quesustenta e que mantém os órgãos da jurisdição.

√â exatamente à luz dessa qualificação jurídica do serviço advocatício- ofício público exercido em ministério privado -, que se devecompreender a disposição legal, tantas vezes ignorada em nossos pretórios,pelo concurso da arrogância e da prepotência de certas Autoridadesdespreparadas para o exercício das parcelas do Poder que recebem do Estado, deque “não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados emembros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração erespeito recíprocos” (art. 6¬∫, do EAOAB).

Aconsideração e o respeito que todos se devem é que mantêm a esperança naJustiça. Toda vez que a classe dos advogados é atingida, são os própriosPoderes do Estado, como um todo, que se flagelam, posto serem aquelescomponentes necessários e indispensáveis deste, de modo que inútil serátentar-se distinguir entre Advogados, Juízes, Promotores, Delegados de Polícia,Deputados ou Senadores, enquanto envolvidos na mecânica da investigação ou daprestação de jurisdição.

Todos estão em pé de igualdade, embora de promontórios diferentes.

Esta igualdade não será conseguida, entretanto, sem a intransigentedefesa das prerrogativas que ornamentam os amplos e majestosos recintos do exercícioprofissional da advocacia, dentre as quais desponta, como uma das principais,por se constituir, em real verdade, na única arma do advogado, o direito √†palavra, escrita ou falada.

Prerrogativas, na verdade,que nem são nossas, mas da cidadania, e nem se confundem, em absoluto, comprivilégios, isto é, a atribuição de direitos únicos a indivíduos ou acategorias sociais, sem justificativa com base no interesse geral dacoletividade.

Não são nossas porque pertencem, antes, ao cliente, à cidadania, comogarantia da efetiva e democrática prestação jurisdicional e da amplidão dodireito de defesa, princípio constitucional canonizado em cláusula pétrea danossa Lei Maior, e, aliás, peregrino nos textos constitucionais de todos ospovos cultos e civilizados.

Não são privilégios porque não ofendem, antes servem, à comumdignidade humana, fundamento transcendente de toda ordem jurídica que estabeleçadistinções de direitos e garantias em função do interesse público.

Tais direitos e garantias especiais não são atribuídos a alguém emseu próprio proveito, mas sim reconhecidos aos seus titulares em função dointeresse alheio, mais precisamente, do interesse público ou comum.

Sãodireitos funcionais e não direitos de fruição.

Enquanto tais, apresentam-se como autênticosdireitos-deveres.

Por isso é que o nosso Estatuto inclui a defesa das prerrogativasprofissionais como dever geral de todo advogado. O advogado que tergiversa emdefendê-las, ou que aquiesce em vê-las ignoradas, a fim de não desagradar asAutoridades perante as quais pleiteia, sacrifica, egoisticamente, o prestígiode toda a categoria profissional e desserve à causa da Justiça.

As prerrogativas dos advogados, pois, não criam privilégios, porque nãosão conferidas no interesse pessoal dos seus beneficiários, mas para asalvaguarda do regular desenvolvimento da boa e completa realização da Justiça,função indispensável do Estado Democrático de Direito, “ipso facto”garantia inalienável da cidadania.

E é por isso que a advocacia, no mais profundo da sua essência, nãopode ser arte de burocratas.

√â ofício fremente e devotado, a que se entrega todo um formigueiro deobreiros da legalidade, que, nos corredores dos pretórios, nas repartições,nas delegacias, nas cidades com pretórios palacianos ou sertanejos, onde,enfim, haja um só grão de justiça a ser buscado para o cidadão,verdadeiramente encarnam o anseio de liberdade e de dignidade humana de seuspatrocinados.

O advogado, e a advogada, assim, hão de ser, antes de tudo, sereshumanos de fibra, que enfrentam o despotismo; guerreiam, com a palavra – seu sabre -, aqueles que abastardam aordem e despojam a verdade da Justiça, não obstante encontre, reiteradamente,um travo que lhe vai amargar a existência, quando, como na hipótese, as leisque defende são manejadas para sufocá-lo.

Comofizeram os ilustres e doutos Desagravados, enfrentando, bravamente, oautoritarismo, a prepotência e o arbítrio, para reclamarem o cumprimento dalei.

Fizeram o que deviam fazer, como advogados sérios e combativos quesão.

Tanto que, ao chegar a esta Casa a notícia de que os Desagravados haviamsofrido tamanha violência √†s suas prerrogativas, logo lhes concedeu, de ofício,o presente desagravo, o insigne Presidente LUIZ FLÁVIO BORGES D’URSO.

Pois é dizer, com o saudoso Manuel Pedro Pimentel, advogado eConselheiro desta Casa, que depois também se fez Magistrado:

"Vale a pena dizer que existem, para exemplo das gerações promissoras,advogados de espinha erecta, que não agridem, mas não toleram agressões; quenão desrespeitam, mas que não admitem menosprezo; que fazem da cultura, doestudo e do trabalho as armas de sua luta, declinando dos favores que amolecem,que comprometem, que desfibram; que não olham os negócios do fôro com a cobiçade Shilok, visando a meta do ouro, transformando-se em novos Midas, pelo dom deBaco e pela maldição de Apolo; que não calcam o seu lado da balança, com ocontra-peso do elogio vão; que compreendem que o erro existe, mas dele não seaproveitam; que respeitam, sem temer; que não mercantilizam a profissão,embora dela vivam; que fazem dos sacrifícios, da renúncia, a matéria prima com que laboram; que põem, enfim, o coraçãoa serviço da causa que aceitaram sem distinção da condição do cliente,visando sempre a defesa, corajosamente, honestamente.”

O advogado, ou a advogada, por isso mesmo, têm que estar conscientes deque a sua arte, dentre todas a mais nobre, a mais humana, é também a maisexigente, a mais complexa e a mais perigosa, pois é conhecido o dito doescritor: “tudo tem limites, menos aestupidez!”.

Ou, como dizia o saudoso Conselheiro e ex-Presidente desta Casa, Dr.RAIMUNDO PASCOAL BARBOSA: “o pecado dainteligência não tem perdão, onde a ignorância tem poder de decisão”.

√â o mínimoque, neste instante, poderíamos dizer-lhes, nobre advogado Roberto Podval enobre advogada Beatriz Dias Rizzo, como desagravo pela insólita ofensa quereceberam.

Intransigentemente fiel √†s suas tradições de bravura e civismo, ao seuideário de democracia e liberdade, à sua devoção √†s causas elevadas enobres, à sua missão institucional e √†s prescrições legais do seu Estatutoregente, a Ordem sempre estará atuante nos momentos difíceis por que passem osseus filiados, da mesma forma como não tem negado sua presença nos instantesmais graves da cidadania.

Notadamente na atual gestão da Seccional Paulista, capitaneada peloPresidente LUIZ FLÁVIO BORGES D’URSO, defensor intransigente e intimorato daClasse e dos seus predicamentos.

Os desagravados de hoje, advogados Roberto Podval e Beatriz Dias Rizzo,agiram segundo esses regramentos e esses postulados.

Foramvalentes!

Fizeram-se, por isso, credores da admiração dos seus pares e doreconhecimento da sua Corporação, que hoje se cristaliza nesta pública sessãode desagravo, que marca o repúdio que a Ordem dos Advogados do Brasil devotaaos que se desviam do caminho e marcam a sua atuação pela ilegalidade, pelaprepotência e pelo arbítrio, malferindo as imarcescíveis prerrogativasprofissionais da advocacia, que pertencem, na verdade, ao cidadão e √†cidadania, antes de se destinarem aos advogados. Sintam-se,pois, desagravados, colegas Roberto Podval e Beatriz Dias Rizzo!

Muitoobrigado!

Ordem, SãoPaulo, em maio, 16, de 2007

EURO BENTO MACIEL

Veja abaixo a íntegra do texto lido pelo advogado e conselheiro doMDA – Movimento de Defesa da Advocacia, Dr. Roberto Podval, na sessão soleneque aconteceu no último dia 16/5, em que ele a Dra. Beatriz Dias Rizzo, tambémadvogada e conselheira do MDA, foram desagravados na OAB/SP em razão dasofensas √†s suas prerrogativas profissionais em sessão na CPI dos Bingos.

Antes da leitura do texto, Dr. RobertoPodval saudou todos os componentes da mesa e homenageou,emocionado, o Dr. Alberto Silva Franco (presidente do IBCCRIM) e o advogado Dr.Antônio Claudio Mariz de Oliveira. Na seq√ºência, agradeceu as belas palavrasdo orador Euro Bento Maciel e proferiu a leitura do texto.

SAUDOSISMO TIRÂNICO

No último dia 23 de agosto, na CPIdos Bingos, no Senado Federal, quando fomos ameaçados de prisão, quando nosmandaram calar a boca, quando nos disseram que advogado não pode falar, nemfazer gestos, nós, desgraçadamente, não ficamos surpresos.

Em razão de experiências pessoaisanteriores e de tantas e recentes manifestações desrespeitosas deparlamentares membros de CPIs, dirigidas aos depoentes, aos interrogados e aseus advogados, transmitidas em tempo real pelos veículos de comunicação, nósrealmente achávamos que seríamos desrespeitados, como advogados e como cidadãos.Mas não quisemos crer que assim seria.

Chegamos a preparar um habeascorpus em causa própria, justamente para proteger nosso direito de,simplesmente, não sermos presos por exercer nosso ofício. Mas não impetramosa ação constitucional de habeas corpus porque acreditamos que soariaantipático de nossa parte desconfiar previamente dos Senadores que integram aCPI dos Bingos, apenas porque alguns parlamentares que integram outras CPIs jáagiram e vêm agindo arbitrariamente.

Preferimos, portanto, assumir umrisco pessoal, protegendo apenas – por dever irrenunciável do ofício – nossocliente, em cujo favor foi concedida medida liminar em habeas corpus,para que não fosse ilegalmente coagido durante sua oitiva. Nossa quase certeza- certeza que era “quase” apenas porque não a queríamos – virou realidade.

Parlamentares inquiridoressucumbiram, mais uma vez, à tentação de se desviarem de seu objeto, fazendoindagações a respeito de fatos extravagantes ao tema da CPI (bingos); pedindoopinião sobre fato/ato de terceiros; fazendo censura moral sobre pessoas, sobredecisões do Supremo Tribunal Federal concessivas de habeas corpus;repetindo as mesmas perguntas, num “reperguntar” incessante, de maneira nãoraras vezes agressiva, irônica e ofensiva.

Em determinado momento esta situaçãoexigiu nossa intervenção, no exercício daquilo que é, ao mesmo tempo,direito e dever profissional.

Entretanto, sob o argumento de que oadvogado não pode falar, alguns dos Senadores deram início a manifestaçõesexorbitantes que assumiram o caráter de repressão tirânica – pela forma epelo conteúdo – dirigida a estes advogados. Mandaram-nos calar a boca, mais deuma vez. Ameaçaram-nos de prisão; disseram que iriam chamar a segurança paranos retirar do auditório. Ficaram realmente muito zangados e aparentementeofendidos quando pedimos a palavra “pela ordem”. Pareciam achar-se osdetentores exclusivos do “pela ordem”, exteriorizando um total e inaceitáveldesconhecimento das leis que emanam do próprio poder que representam.

√â bastante constrangedor ter queensinar a Senadores da República que o “pela ordem” não é deles. √âembaraçoso ter de dizer a antigos e conhecidos Senadores da República quefrases desrespeitosas não se tornam respeitosas apenas porque começam com “asenhora”, “o senhor”. √â desanimador constatar que os representanteseleitos pelo povo, num regime democrático, para comporem o Senado Federal agemde forma autoritária, totalitária e parecem não gostar dos limites que aConstituição e as leis lhes impõem, tanto que fazem questão desistematicamente ignorá-los.

Por tudo isto, é preciso lembrarque a Constituição Federal, no seu art. 133, diz que “O advogado éindispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos emanifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

“A lei” a que se refere aConstituição recebeu o n¬∫ 8.906/94 e no seu art. 6¬∫, Parágrafo único, estáescrito que “As autoridades, os servidores públicos e os serventuáriosda justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamentocompatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seudesempenho.”

Os advogados, nos atos praticadosperante uma Comissão Parlamentar de Inquérito, não são estranhos, não sãovisitas (visitas indesejáveis como deixam transparecer os parlamentares), nemtampouco meros expectadores. São, assim como os próprios parlamentares, cidadãosque estão desempenhando um serviço público e uma função social, como ficabastante claro também da leitura do Art. 2¬∫ do Código de √âtica e Disciplinada OAB: “O advogado, indispensável à administração da Justiça, édefensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública,da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privadoà elevada função pública que exerce”.

Não cometam os parlamentares,doravante, a bobagem de afirmar que o advogado não pode falar na CPI. Pode. Oadvogado tem sempre o direito à palavra, nos exatos termos do art. 7¬∫, da Lein¬∫ 8.906/94. Têm o direito de “usar da palavra, pela ordem, em qualquerjuízo ou tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívocoou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influemno julgamento, bem como para replicar acusação ou censura que lhe forem feitas”(inciso X, do art. 7¬∫, da Lei n¬∫ 8.906/94); tem o direito de “reclamar,verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade,contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento”(inciso XI, do art. 7¬∫, da Lei n¬∫ 8.906/94); tem o direito de “falar,sentado ou em pé, em juízo, tribunal ou órgão de deliberação coletiva daAdministração Pública ou do Poder Legislativo”(inciso XII, do art. 7¬∫,da Lei n¬∫ 8.906/94).

Não confundam os parlamentares odireito do advogado de se comunicar livremente com o cliente, com aimpossibilidade de interferir no mérito das respostas do cliente, ou deresponder pelo cliente; o direito de pedir a palavra pela ordem e o direito deformular requerimento verbal para exigir o cumprimento de preceito normativo,com outras espécies de manifestação oral do advogado, em procedimentos denatureza contraditória, como, por exemplo, o direito à sustentação oral.

A ilegalidade já foi longe demais.Passou do ponto dos advogados não poderem assistir o cliente em seu depoimento- o que implica intervir para coibir abusos e ilegalidades – e chegou aolimite extremo de se impedir que assistam ao ato, recebendo ameaças de prisãoe de retirada à força dos auditórios.

Isto configura gravíssima ofensa √†liberdade individual de locomoção, no exercício da profissão. Os advogadospodem ingressar e sair livremente das salas de audiências das CPIs (art. 7¬∫,VI e VII da Lei n¬∫ 8.906/04). Não podem é ser presos (art. 7¬∫, ¬ß3¬∫ da Lein¬∫ 8.906/94) pelo exercício e no exercício das prerrogativas inerentes √†profissão. Não foram, afinal, constituídos pelos cidadãos para serem platéiaestática de sua inquirição, muito menos para funcionarem como objetosornamentais inanimados, ou enfeites. Advogar pode ser traduzido como “falarpelo outro” e, portanto, obrigar o advogado ao silêncio significa coagi-loilegalmente a não advogar.

Há parlamentares, na melhor dasavaliações, acometidos por um inexplicável e generalizado déficit decompreensão: não compreendem adequadamente sua função constitucional; nãocompreendem os limites dos seus poderes como inquiridores numa CPI; nãocompreendem o papel do advogado na CPI; não compreendem, enfim, nem mesmo osignificado da democracia e acham que respeito é sinônimo de uma submissãoservil demodê.

Dessa ignorância decorrem osaterradores espetáculos de berros e ordens ilegais, das quais as maisaterrorizantes são a palavra cassada aos advogados e as ordens de prisão.

Resta lembrar, com palavras dogrande Luigi Ferrajoli, que Estado de direito significa um tipo de ordenamentosocial em que o poder público está rigidamente submetido, limitado e vinculadoà Constituição e à lei, no plano substancial (dos conteúdos) e no planoformal (dos procedimentos).

Nesse modelo de sociedade os cidadãosem geral têm apenas o dever legal de obediência √†s normas, mas osparlamentares, investidos da função pública de elaborar as leis têm, também,um dever moral de protegê-las e respeitá-las. E os advogados estarão de olhoe falarão, qualquer que seja a conseq√ºência, para que assim seja.