A comunidade jurídica recebeu, com
indignação, a notícia de que novas ações
populares foram intentadas contra as
decisões do Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais (Carf), nova denominação do
quase centenário Conselho de Contribuintes
do Ministério da Fazenda.
Assim, foram propostas, na primeira quinzena
de agosto, pelo menos três ações populares
visando anular julgamentos do Carf porque
desses julgamentos participaram advogados
militantes. Os casos atacados envolvem temas
sensíveis, de alto valor e de interesse
direto da Procuradoria da Fazenda Nacional:
ágio interno e distribuição disfarçada de
lucros.
Na visão dos autores populares, e não
obstante o elementar impedimento pontual
desses advogados de atuarem junto ao próprio
Carf e de não patrocinarem demandas em favor
ou desfavor das partes sobre as quais vieram
a julgar algum caso, os julgamentos do Carf
estariam viciados, devendo-se produzir novos
julgamentos.
Curioso observar que os autores populares (a
esposa de um ex-procurador da Fazenda
Nacional que teria, ao que consta, sido
exonerado do serviço público, representada
por seu marido) somente questionam a
participação de advogados em casos em que a
Fazenda pública se saiu vencida; e não
quando se saiu vencedora – posto que o
fundamento, para ambas as situações, seria
rigorosamente o mesmo a também justificar a
anulação dos julgados do Carf.
Desde sua criação, em 1924, os chamados
Conselhos de Contribuintes ostentam
composição paritária, vale dizer, desses
órgãos participam tanto representantes do
Fisco como dos contribuintes.
Essa composição paritária, ao longo de seus
quase 90 anos, tem se mostrado extremamente
relevante para arejar esses órgãos (que nada
mais são do que verdadeiros tribunais
administrativos), de modo a que a sanha por
arrecadação possa ser revista por uma
instância superior e de julgamento das
autuações fiscais, produzindo-se acórdãos
equilibrados sobre a conduta adotada pelas
fiscalizações.
A tentativa de desmoralizar o Carf,
curiosamente partindo de ex-representantes
do interesse da Fazenda Nacional, não é bem
vinda e, com a devida vênia, atenta contra o
bom direito.
De fato, no último dia 6 de agosto, dias
antes, portanto, dessa nova ofensiva ao
Carf, o Órgão Especial do Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil, que
congrega os 27 representantes das Seccionais
do Brasil, em julgamento de Consulta
formulada pelo Movimento de Defesa da
Advocacia (MDA), decidiu, por unanimidade de
votos (com apenas a abstenção de um
Conselheiro Federal, que não votou), que a
função de julgador de tribunais
administrativos (a exemplo do Carf,
Tribunais de Impostos e Taxas Estaduais,
Conselhos Municipais de Tributos), por não
ser remunerada, não é incompatível com o
exercício da advocacia, ressalvados
naturalmente os impedimentos de não advogar
perante o próprio tribunal administrativo e
para as partes em relação √†s quais tenham
participado de julgamentos.
A decisão do Órgão Especial do CFOAB
(processo de consulta
49.0000.2013.0071321/OEP, julgado em 6 de
agosto de 2013, cujo acórdão aguarda
formalização), portanto, colocou uma pá de
cal sobre a questão e, ao mesmo tempo,
garantiu a permanência do modelo justo e
paritário desses tribunais administrativos.
É de se esperar, dessa forma, que, assim
como as demais 59 ações propostas pelos
mesmos autores populares (encaminhadas sob
outros improcedentes fundamentos para tentar
desmoralizar o Carf), sejam também
rejeitadas pelo Poder Judiciário as novas
ações, resguardando-se a higidez do modelo
paritário de revisão das autuações fiscais
no Brasil, que tão bem funciona desde 1924,
servindo de freio à sanha arrecadatória que
assola os cidadãos brasileiros sempre √†s
voltas com as injustiças decorrentes do
sistema que ostenta uma das maiores cargas
tributárias do mundo, praticamente sem
nenhum retorno em termos de contrapartidas
do serviço público.