Por Antônio Cláudio Mariz de Oliveira
Excessiva litigiosidade, ausência de real autonomia financeira, anacronismo burocrático, excessiva litigância dos órgãos públicos carência de juízes e de funcionários constituem algumas das causas da avassaladora carga de processos distribuídos aos magistrados brasileiros.
Para enfrentar o acúmulo de processos tornou-se imprescindível os magistrados contarem com a colaboração de assessores.
Duas eram as incumbências originais desses importantes servidores da Justiça : pesquisas de doutrina de jurisprudência e o exame dos autos para elaboração dos respectivos relatórios.
Até pouco tempo não se tinha conhecimento de decisões proferidas por assessores, os votos eram não só formal como materialmente da responsabilidade dos ministros e dos desembargadores.
Com efeito, julgar é uma atribuição exclusiva dos juízes, e só deles, pois estão investidos, com exclusividade, pelo Estado-Juiz do dever de por fim aos conflitos de interesses. Dever, portanto, indelegável.
No entanto, uma idéia, assustadora idéia, que toma corpo e se expande, coloca a eficiência quantitativa como prioridade em detrimento da qualidade dos julgados.
Nesse exato sentido, assessores de alguns magistrados, apenas de alguns, estão proferindo decisões. Trata-se de verdadeira usurpação de uma função privativa. Usurpação que se dá com a concordância, ou melhor, a mando do usurpado.
São poucos os que “delegam” tão extraordinário dever, é verdade. Mas não é menos verdade que há um concreto risco da prática proliferar-se, com a inversão dos papéis, os assessores julgam e os julgadores assessoram, ou melhor, assinam.
Não faz muito tempo, um extraordinário magistrado disse-me que se não fosse o memorial e a sustentação oral, em determinado caso, teria cometido um erro ao decidir e que tal erro não havia sido observado por sua assessoria.
Casos há nos quais sobre a mesma matéria o mesmo magistrado profere decisões contraditórias. A razão? Votos dados por assessores diferentes.
Ainda, e a título de exemplo, portanto, meramente ilustrativo, não são raras as hipóteses de emendas que não correspondem aos respectivos acórdãos.
Uma ressalva, é claro que os tempos atuais, com a avalanche de feitos, furtaram dos juízes o tempo necessário para serem os únicos a realizar a complexa operação de elaborar sentenças e votos.
No entanto, os magistrados não podem, sob pena de abdicar de sua sagrada missão de julgar, se abster de dizer o direito no caso concreto. Dar a cada um o que lhe cabe é da sua exclusiva responsabilidade. Aliás, é a razão de ser da sua existência.
Na opinião desse velho e aflito advogado, aflição compartilhada com inúmeros outros advogados e inúmeros magistrados, a preocupação básica de um juiz deve ser com a qualidade das suas decisões e não com o número de sentenças proferidas.
Liberdade, patrimônio, família, direitos humanos não são produtos de consumo, mas sim bens de vida.
A adoção, como critério meritório, da eficiência pelo número de decisões proferidas, constitui um desvio dos reais e superiores objetivos da Justiça e pode se transformar em sua negação.
Liberdade, patrimônio, família, direitos humanos, dentre outros valores, não são produtos de consumo, mas bens de vida que têm o Poder Judiciário como único instrumento de sua garantia e de sua proteção.
Antônio Cláudio Mariz de Oliveira é conselheiro honorário do Movimento de Defesa da Advocacia – MDA, ex-presidente da OAB-SP e da AASP, foi secretário de Justiça e de Segurança do Estado de São Paulo.