IMPRESSÕES SOBRE A LEI ANTICORRUPÇÃO – POR PIERPAOLO CRUZ BOTTINI E I ;R TAMASAUSKAS

02/10/2014

Entra em vigor hoje a Lei de Combate à Corrupção (nº12.846/13), uma das iniciativas mais importantes do Legislativo nos últimos tempos.

Os menos avisados podem se perguntar sobre o que há de novo, uma vez que a corrupção já era proibida em nosso ordenamento. Mas há uma diferença: em geral, as normas anteriores puniam apenas as pessoas físicas que cometiam a corrupção, deixando de lado a empresa, em regra a mais favorecida com o ato.

Agora, as empresas também serão responsabilizadas por atos de corrupção e outros similares praticados em seu benefício. A lei prevê penas duras, como multas de 0,1% a 20% do faturamento bruto, vedação de contratar com o poder público e até a dissolução compulsória, uma “pena de morte empresarial”.

Talvez a inovação mais significativa -e polêmica- seja a previsão da responsabilidade objetiva da empresa. Com isso, a corporação será punida mesmo que seus dirigentes não tenham autorizado o ato ilícito. Basta que um funcionário parceiro, contratado ou consorciado tenha oferecido ou pago vantagem indevida a funcionário público, e as penas serão aplicadas.
Desde que a empresa seja beneficiada pelo ato, claro. Assim, se uma corporação contrata um serviço de terceiro para obter licença ambiental, e este pague propina, ambos serão punidos.

A ideia do legislador é que a empresa cuide não apenas de sua probidade, mas também se assegure do comportamento ético daqueles com os quais trabalha. Claro que isso tem o limite do bom senso, dada a impossibilidade de se conhecer integralmente o caráter de seus parceiros ou empregados. Mas a ideia é incentivar a corporação a desenvolver sistemas de controle internos que façam checagens periódicas sobre seus colaboradores, assegurando-se de que todos mantêm uma postura correta em relação ao poder público.
Nessa linha, a lei prevê a redução da sanção para a empresa que mantiver mecanismos internos de prevenção a atos ilícitos, códigos de ética, auditorias regulares e canais para denúncias. Busca-se, com isso, estimular o compromisso empresarial com uma cultura ética.

Os impactos da lei já foram sentidos. É notável como boa parte das corporações revisaram ou criaram regras de boas condutas, estabeleceram padrões rígidos de comportamento e passaram a colaborar com investigações em suas dependências. Ao contrário de tantas leis que “não pegam”, essa surtiu efeitos mesmo antes de entrar em vigor.

É claro que existem problemas. A falta de critérios claros para a fixação das penas e a possibilidade de que a União, Estados e municípios apurem os fatos e apliquem sanções autonomamente podem gerar excessos e conflitos. Mas espera-se que os entes federados estabeleçam diretrizes para uma atuação harmônica. Do contrário, o Judiciário será acionado para garantir a razoabilidade na incidência da lei.

Criticas à parte, a lei é boa. Vale sempre lembrar que não se trata de norma penal. Não tem a contundência inútil da ameaça de prisão, mas a racionalidade de identificar os reais beneficiários do ato de corrupção e puni-los, afetando seu setor mais sensível: o faturamento. Ademais, ao prever a colaboração das empresas na identificação ou repressão aos ilícitos que possam ser praticados em seu benefício, o poder público faz uma espécie de prevenção geral positiva, forçando a incorporação de novos valores na organização corporativa.

Se tal estratégia é adequada, o tempo dirá. Mas criar dispositivos que incentivem a cooperação dos agentes privados parece mais eficiente do que a velha e fracassada política de aumentar penas ou transformar tudo o que incomoda em crime hediondo, como se isso, num passe de mágica, reduzisse o crime organizado a pó.

Pierpaolo Cruz Bottini, é advogado, Conselheiro do Movimento de Defesa da Advocacia (MDA), professor doutor de direito penal da Faculdade de Direito da USP. Foi secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça (governo Lula).
Igor Tamasauskas, é advogado. Foi subchefe adjunto da Casa Civil da Presidência da República para Assuntos Jurídicos (governo Lula).