Um acordo multilateral entre advogados, deputados, o governo paulista e o Ministério da Previdência garantiu a continuidade da carteira de previdência dos advogados de São Paulo, pelo menos até que todos os atualmente inscritos recebam os benefícios. A solução foi anunciada nesta terça-feira (19/5) em entrevista coletiva concedida pelo presidente da Assembleia Legislativa paulista, deputado Barros Munhoz (PSDB), juntamente com as lideranças dos partidos, além dos presidentes das entidades que representam os advogados no estado.
Uma emenda proposta pelo parlamento irá alterar o projeto de lei do governo estadual que extinguiria a carteira em junho, juntamente com o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (Ipesp), responsável pelo pagamento dos benefícios. A mudança permitirá que a extinção aconteça somente depois que o último beneficiário aposentando morrer, o que pode acontecer somente daqui a 80 anos, de acordo com um estudo atuarial feito sobre o assunto.
A emenda aglutinativa deve ser apresentada nessa quarta-feira (19/5), quando a votação do projeto também deve ser concluída. “Se não for de forma unânime, será por maioria absoluta”, diz o presidente da Alesp, Barros Munhoz. A emenda alterará também a lei que determinou a extinção do Ipesp em junho, a Lei Complementar 1.010/07. “A extinção começa hoje, mas agora será gradual, e não mais com data marcada”, explica o deputado federal José Mentor (PT-SP), que ajudou a negociar a estratégia com o Ministério da Previdência, em Brasília.
A solução foi o que a Previdência chamou de “saldamento” da carteira. “O Ministério reconheceu que a situação era atípica e demandava uma saída também atípica”, diz o deputado. O líder do governo na Assembleia, deputado Vaz de Lima (PSDB), afirmou que a administração do estado está aliviada com a nova interpretação dada pela Previdência, que “evitou que o governo fosse penalizado em benefício de 40 mil advogados”. O presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges DUrso, comemorou o fato de ter chegado a um consenso na Alesp. “Foi na Casa Cidadã que conseguimos o diálogo”, afirma.
Em 2007, a Previdência emitiu um parecer que opinava pela adequação da carteira √†s regras atuais das previdências suplementares, caso contrário deveria ser extinta – clique aqui para ler. A carteira, que quando foi criada contava com o repasse de verbas públicas arrecadadas pela Justiça paulista, tem 37 mil inscritos, dos quais três mil são aposentados. O governo de São Paulo, temendo ter sua regularidade previdenciária questionada – o que causaria o fim do repasse de verbas federais ao estado -, decidiu por um fim imediato à carteira, distribuindo os ativos de quase R$ 1 bilhão entre os segurados. A proposta veio com o Projeto de Lei 236/09, apresentada pelo Executivo à Alesp em abril. O prazo para votação do projeto expira no dia 31 de maio.
O acordo que deu sobrevida à carteira foi alinhavado entre as lideranças partidárias, o governo estadual e o Ministério da Previdência, além da OAB-SP, da Associação dos Advogados de São Paulo e do Instituto dos Advogados de São Paulo. A salvação da lavoura, no entanto, terá um preço. “O valor médio das contribuições dos segurados vai passar de R$ 90 para R$ 280”, diz o presidente do antigo Ipesp e atual SPPrev, Carlos Henrique Flory. De acordo com ele, a nova formatação não permitirá mais que “quem contribua com R$ 90 mensais se aposente com dez salários mínimos”.
Os advogados recolhem, hoje, valores entre R$ 48 e R$ 130 mensais ao Ipesp. Cumprido o tempo máximo de contribuição, podem se aposentar com um benefício de até dez salários mínimos. O benefício médio pago hoje a aposentados e pensionistas é de R$ 3 mil. Podem requerer a aposentadoria os inscritos há mais de 35 anos na OAB-SP ou que tenham completado 65 anos de idade. Desde janeiro do ano passado, o Ipesp impede que novas inscrições sejam feitas.
A nova forma de cálculo dependerá de quanto o advogado já contribuiu e com quanto pretende contribuir daqui por diante. A remuneração não será mais indexada ao salário mínimo. Os já aposentados também deixarão de ter correção nos valores. Para requererem a aposentadoria, os segurados deverão ter, conjuntamente, 65 anos de idade e 35 anos de inscrição na OAB-SP. O tempo mínimo de contribuição será de 20 anos.
Os inscritos que quiserem deixar a carteira serão ressarcidos dos valores das contribuições, regra provisória deve ser publicada assim que o projeto for aprovado, que dará o prazo de 120 dias para os inscritos optarem por continuar ou não na carteira. “As restituições irão variar entre 60% e 80% do total das contribuições, a ser recebido em um prazo facultativo”, explica um dos conselheiros da carteira e articulador do acordo, o advogado Marcio Kayatt.
Para que os advogados saibam o quanto terão de contribuir e quanto poderão receber depois de se aposentarem, o Ipesp fará, até o final do ano, levantamentos individuais das contas dos segurados e publicará uma tabela com os planos possíveis, como adianta Kayatt. Serão incluídos no cálculo o tempo e o valor acumulado de contribuições, além da chamada “taxa de juntada”, recolhida quando procurações são anexadas nos processos judiciais. Todo mês o Ipesp recebe R$ 3 milhões a título de contribuições e R$ 1,5 milhão de taxa.
Acordo da salvação
Depois de frustradas as negociações com o governo estadual, a saída na Assembleia Legislativa era a última cartada para tentar salvar a carteira. “A saída pela via judicial já estava pronta, mas levaria no mínimo 15 anos para ter uma definição e mais outros 15 para que os precatórios emitidos fossem pagos”, calcula Kayatt. As entidades chegaram a ameaçar o ajuizamento de um pedido de Mandado de Segurança em favor dos aposentados, que exigiria que o governo estadual voltasse a arcar com a maior parte das entradas da carteira, o que foi abolido em 2003. “Não havia dinheiro sequer para pagar os aposentados”, disse o presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges DUrso.
Hoje numa função próxima à de previdência complementar, a Carteira de Previdência dos advogados foi criada em 1959 pelo governo estadual para ser sustentada pelas contribuições dos segurados e por parte das taxas judiciais recolhidas nos processos. O drama começou em 2003, quando a Lei Estadual 11.608 acabou com o repasse de 17,5% das taxas da Justiça à carteira – equivalentes a 85% das fontes de custeio – e a colocou a caminho do défict. A Emenda Constitucional 45/04, chamada de Reforma do Judiciário, deu o golpe de misericórdia ao cravar que o Judiciário é o único destinatário legítimo das custas judiciais recolhidas.
Como se não bastassem os problemas de liquidez, em 2007, a carteira perdeu ainda seu administrador, o Ipesp. A Lei Complementar 1.010/07 determinou a extinção do instituto e sua substituição pela São Paulo Previdência (SPPrev). Porém, a norma não atribuiu à sucessora a gerência da carteira, colocando os advogados aposentados e os que ainda contribuíam numa contagem regressiva para a perda dos benefícios a que tinham direito. A data marcada na lei vigente para o fim do Ipesp é o dia 1ºde junho, quando vence o prazo de dois anos para que a SPPrev seja implantada.
Com o fim do repasse das taxas judiciárias, a carteira está em contagem regressiva para incinerar um caixa de R$ 1 bilhão e se tornar deficitária. Segundo um estudo atuarial entregue pela Fundação Universa, de Brasília, em fevereiro, a arrecadação de R$ 4,5 milhões não aguentará a despesa de R$ 6,2 milhões com benefícios pagos e, em 2019, passará a ter um défict de R$ 223,5 mil – clique aqui para ver o estudo. A arrecadação de contribuições terminaria em 2043, quando todos os beneficiários ativos passariam à condição de inativos, aumentando os gastos e reduzindo as fontes de recursos da carteira. O ciclo só começaria a regredir após 2050, quando o custo passaria a cair, conforme os segurados fossem morrendo. Mas a obrigação só zeraria depois de 2090, deixando um passivo de R$ 78,6 milhões.
A solução a que chegaram governo estadual, deputados e advogados evitou uma batalha judicial que poderia ter um fim amargo para os advogados. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei 11.608/03, proposta pelo Conselho Federal da OAB. Cinco dispositivos alegados como inconstitucionais na ADI 3.154 foram mantidos pelos ministros, por maioria. A discussão em relação a dois dos artigos apontados foi suspensa depois de um pedido de vista da ministra Cármen Lúcia.