A inclusão dos honorários na base de cálculo da taxa judiciária no estado do Rio de Janeiro: a questão da ação monitória.
Rafael C. Pimenta
Myriam P. Pereira
1. Introdução.
O presente trabalho visa a debater o seguinte tema: a inclusão, na base de cálculo da taxa judiciária, no estado do Rio de Janeiro, do valor devido a título de honorários de advogado, por ocasião do ajuizamento de ação monitória, cuja prestação pretendida venha a ser espontaneamente satisfeita pelo réu-devedor antes da conversão do mandado injuntivo em mandado de avaliação e penhora.
A despeito da aparente complexidade, o problema pode ser posto em termos concretos: quando do ajuizamento da ação monitória, o réu-devedor tem à disposição as seguintes alternativas: (a) pagar o valor constante do documento e resolver ambas relações jurídicas, tanto a processual quanto a material; (b) não pagar o título e oferecer embargos monitórios, suspendendo a eficácia do título; e (c) não pagar e não oferecer embargos monitórios, hipótese em que o mandado se converterá em mandado executivo e a ação seguirá o procedimento previsto para a execução.
Na primeira hipótese – e numa das raras circunstâncias em que a lei processual autoriza essa medida – o réu-devedor livra-se do pagamento das custas e dos honorários de advogado (art. 1.102-C, ¬ß1¬∫, do CPC). Veja-se que não se trata de uma hipótese de não incidência de custas e honorários – como ocorre, por exemplo, no âmbito dos juizados especiais (art. 54 da lei federal n.º9.099/95) – mas mera isenção de responsabilidade do réu pelo seu pagamento. Ou seja, transfere-se ao autor-credor, como contrapartida pela adoção de um procedimento mais célere, o ônus de suportar a integralidade das custas e ao seu advogado, o de não perceber honorários de sucumbência .
O problema começa a tomar forma quando se confronta essa hipótese com a disciplina, no estado do Rio de Janeiro, para o cálculo e o recolhimento das custas judiciais. Em especial a sua porção que remunera os serviços de atuação dos magistrados, e dos membros do Ministério Público, em qualquer procedimento judicial, a chamada taxa judiciária.
De acordo com o art. 112 do Código Tributário Estadual (“CTE” – o Decreto-lei n.º05, datado de 15 de março de 1975, que já deveria ter sido revisto ou, no mínimo, revisitado para acomodar a nova legislação processual), a taxa judiciária incide à base de 2% sobre o valor do pedido, entendido este, nos termos do art. 119 do CTE, como a soma do principal, juros, multas, honorários e quaisquer vantagens pretendidas pelas partes.
Assim, em uma ação monitória, a taxa judiciária incidiria – como, de fato, vem incidindo – sobre o valor da dívida cobrada, acrescido dos honorários de advogado, a despeito do fato de que estes podem não integrar o somatório das vantagens pretendidas pelo autor-credor. Essa é, em resumo, a essência da discussão, cujos desdobramentos e eventuais soluções serão abordados a seguir.
2. A ação monitória.
Introduzida no ordenamento nacional através da lei federal n.¬∞ 9.079/95, a ação monitória inclui-se entre os procedimentos especiais de jurisdição contenciosa (Livro IV, Título I, do CPC) e tem por finalidade garantir a quem possua prova escrita de dívida, que por lei não teria força de título executivo, valer-se de um procedimento mais célere para obter a satisfação da prestação que lhe é devida (pagamento de dinheiro, entrega de coisa fungível, ou infungível móvel).
A sua inspiração vem do direito europeu continental – principalmente do procedimento dingiunzione previsto do Codice di Procedura Civile italiano, do Manverfahren das ZPO alemãs e do Mandatsverfahren austríaco – e, como Carnelutti afirmava, situa-se como um tertium genus entre a cognição e a execução (CARNELUTTI, 1973, p. 84).
No Brasil, Cruz e Tucci defende que o procedimento monitório expressa a relação processual na qual o juiz, para sumarização da cognição, antes mesmo da instauração do contraditório – que, neste caso, é eventual -, emite uma ordem liminar inaudita altera parte para expedição de mandado de pagamento (TUCCI, 1995, p. 76-77.).
Na acepção de Sergio Bermudes, a ação monitória representa uma opção de técnica processual que privilegia a agilidade, a economia e a utilidade do provimento para o credor (BERMUDES, 1996, p. 61-62). Daí porque é vedada qualquer espécie de intervenção de terceiro, embora seja permitida a reconvenção por parte do réu-devedor. (AMARAL, 1996, p. 254).
Sob o ponto de vista da sua origem etimológica, monitório vem da raiz latina “monere” que significa advertir; avisar, que na significação jurídica antiga era o convite o aviso ou convite para vir depor a respeito de fatos contidos na monitória. (SILVA, 1987, p. 205)
2.1 Cabimento
No que tange ao seu cabimento, e nos termos do que preceitua o artigo 1.102-A, além dos requisitos necessários √†s ações em geral (art. 282 e 295 do CPC), a ação monitória pressupõe a demonstração de três requisitos específicos: (a) prova escrita do débito; (b) que tal prova escrita não tenha força de título executivo, nos termos do art. 585 do CPC, e (c) contenha obrigação de (c.1) pagar soma em dinheiro; (c.2) entregar coisa fungível; ou (c.3) entregar coisa infungível móvel.
Ao contrário do processo civil alemão e do Rechtsbot suíço, que conhecem o chamado procedimento monitório puro, o modelo brasileiro optou apenas pelo procedimento monitório documental. Naquele, a ordem liminar de expedição de mandado de pagamento ao réu-devedor pressupõe somente declaração unilateral de existência da dívida. Neste, a prova escrita da dívida é requisito essencial para que se comprove a relação de crédito.
Outro requisito, que implica estreitamento da possibilidade de utilização da monitória, é a impossibilidade de que o autor-credor lance mão diretamente de ação executiva. Caso contrário, faltar-lhe-ia interesse de agir específico para a monitória (arts. 3ºe 267, IV, do CPC), pois do eventual pronunciamento judicial favorável – formação do título executivo – não lhe adviria nenhum benefício, uma vez que ele já seria detentor do título.
Outra limitação ao uso do procedimento monitório está na impossibilidade de usá-lo para as obrigações de fazer ou de não fazer, ou mesmo de dar coisa imóvel.
2.2 Procedimento
No que tange ao procedimento, a demanda é iniciada com a petição inicial, devidamente instruída documentalmente como manda o artigo 1.102-A, e nos moldes do artigo 282, do CPC. Estando em conformidade, o juiz ordenará, liminarmente, a expedição de mandado de pagamento ou de entrega da coisa devida para que se cumpra a obrigação no prazo de quinze dias.
Este pronunciamento do juiz, como bem explana Calamandrei, tem natureza de sentença contumacial suspensivamente condicionada. Ou seja, a eficácia da ordem judicial de pagamento fica suspensa até que: (a) o devedor cumpra a obrigação; (b) o devedor, após decurso do prazo de 15 dias, não cumpra a obrigação e não embargue a monitória; ou (c) o devedor a embargue, livre da obrigação de garantir o juízo.
Considerando que o prazo também tem o intuito de garantir o exercício do contraditório, a sua contagem tem como termo inicial o dia da juntada aos autos do mandado injuntivo devidamente cumprido ou, se a citação e ordem de pagamento for efetuada por correio, da juntada do aviso de recebimento pelo devedor.
Das três alternativas de que pode se valer o réu-devedor, a mais corriqueira vem a ser a da oposição dos embargos monitórios. Como oferecimento dos embargos, converte-se o procedimento de especial para ordinário e suspende-se a eficácia da ordem liminar de pagamento ou entrega da coisa devida.
Os embargos monitórios se processam nos próprios autos da ação monitória, não havendo obrigação de prévia segurança do juízo, como se extrai do art. 1.102-C, ¬ß2¬∫, do CPC. Por não ter se formado, neste caso, o título executivo judicial, Sérgio Bermudes entende que os embargos não se limitarão √†s matérias do art. 741 do CPC, admitindo-se que, por meio deles, sejam alegadas quaisquer matérias de defesa, tal como ocorre na execução por título extrajudicial na forma do art. 745 do CPC.
Uma vez oferecidos embargos, o feito assume características próprias do procedimento ordinário, com espaço para ampla discussão probatória.
O regime recursal para os embargos monitórios é o mesmo do processo cognitivo, mas a apelação da sentença dos embargos não produz efeito suspensivo, diante do artigo 520, V, do CPC, podendo assim ser a sentença ser executada provisoriamente.
Na hipótese de o réu-devedor não tomar qualquer medida, após o decurso do prazo para pagar ou oferecer embargos, forma-se de pleno direito o título executivo judicial (a formação do título ocorrerá também na hipótese de rejeição dos embargos monitórios – art. 1.102-C, 3¬∫). O título executivo se origina da conjugação de dois pronunciamentos do juiz: deferimento do mandado injuntivo e a sua conversão em título executivo.
Na última hipótese – aquela que mais nos interessa aqui e infelizmente a menos usual de todas -, o réu-devedor paga o credor pela via judicial, encerrando a lide sem a necessidade de se instaurar a fase executória. De modo a estimular o cumprimento espontâneo, o Código isenta o réu-devedor dos ônus sucumbenciais – custas e honorários advocatícios. Tal isenção transfere ao credor o ônus de suportar essas despesas, como contrapartida pela opção por uma via mais célere.
Essa transferência se dá da seguinte forma: quanto √†s custas, o autor não as deixa de recolher ao erário; recolhe, mas não lhe é permitido, por impedimento legal, cobrá-las do devedor; quanto aos honorários, caberá ao autor custear integralmente os honorários de seu advogado, sem a possibilidade de deduzir dos honorários contratuais os honorários de sucumbência – prática bastante comum na prestação dos serviços jurídicos; e quanto ao advogado do autor, ele suportará o ônus de não ter o seu trabalho devidamente reembolsado.
Se tal medida legislativa de estímulo ao réu-devedor para que cumpra, com presteza e agilidade, a prestação que lhe é judicialmente imputada é ou não legítima não constitui objeto do presente texto. Críticas poderia haver de que os estímulos devem se dar em uma fase pré-judicial, sendo certo que o credor que aciona o aparato judiciário para buscar uma prestação que não foi tempestiva e espontaneamente cumprida, não pode sofrer mais prejuízos do que já sofreu com a mora do devedor. Por outro lado, há que se ter em conta que tal prejuízo (obrigação de suportar as custas e de não perceber honorários) pode vir a ser muito menor do que uma demora de dois ou três anos para receber seu crédito.
Argumentos, e bons, há dos dois lados. Porém, o tema aqui é exclusivamente o tratamento que é dado a essa peculiaridade processual pela legislação tributária do estado do Rio de Janeiro, conforme se verá a seguir.
3. Despesas processuais.
3.1 Despesas, custas ou taxa? Sistematizando a terminologia.
Se esse trabalho se refere a custas, é bom que – em caráter preliminar – se defina o seu conceito. Notoriamente, o termo é objeto de um tratamento legislativo assistemático.
A Constituição Federal, em seu art. 24, IV, dispõe que compete à União, aos estados e ao Distrito Federal legislar, concorrentemente, sobre custas do serviço forense.
No âmbito infraconstitucional, o Código de Processo Civil usa o termo custas em seus arts. 20, ¬ß2¬∫, e 268; despesas, em seu arts. 19, 20, 28 e 31; fala em preparo, ao referir-se que, na sua ausência, cancelar-se-á a distribuição da ação (art. 257); menciona custas de retardamento no art. 22; e custas excessivas no art. 30. A lei federal nº9.289/96, que trata das custas no âmbito da Justiça Federal, também não parece precisa na definição do termo, ao mencionar o pagamento de custas e contribuições no processo.
Na jurisprudência, assentou-se que as custas remunerariam apenas os atos cartorários (públicos), ao passo que as despesas seriam aquelas empenhadas no custeio dos atos do perito, o selo, o porte de remessa e retorno de carta precatória, carta de ordem, de depositário, entre outros (REsp 720.090, FUX; EREsp 22.661-7, MILTON LUIZ PEREIRA; RE 108.845, MOREIRA ALVES; REsp 443.678, DELGADO). A dificuldade é definir quais seriam tais atos. O da diligência do oficial de justiça? O da publicação de edital na imprensa oficial? E o que estaria abrangido então pelas custas em si: apenas o ato do juiz e do escrivão? Esses pontos não são bem esclarecidos pela jurisprudência.
A min. Eliana Calmon, fugindo do lugar-comum, no recurso especial n.º366.005 traz uma boa tentativa de sistematização:
“PROCESSO CIVIL – CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS – FAZENDA P√öBLICA:
ISENÇÃO (ARTS. 39 DA LEF, 27 E 1.212, PARÁGRAFO ÚNICO DO CPC).
1. Custas são o preço decorrente da prestação da atividade jurisdicional, desenvolvida pelo Estado-juiz através de suas serventias e cartórios.
2. Emolumentos são o preço dos serviços praticados pelos serventuários de cartório ou serventias não oficializados, remunerados pelo valor dos serviços desenvolvidos e não pelos cofres públicos.
3. Despesas, em sentido restrito, são a remuneração de terceiras pessoas acionadas pelo aparelho jurisprudencial, no desenvolvimento da atividade do Estado-juiz.
4. Os terceiros que prestam serviço desvinculados da atividade estatal não estão submetidos √†s regras isencionais.
5. Os peritos, os transportadores dos oficiais de justiça e as empresas de correios devem ser remunerados de imediato pelo autor ou interessado no desenvolvimento do processo.
6. Recurso especial improvido.”
Da doutrina são poucas as tentativas de sistematização. Antônio S. Prudente afirma que, pela terminologia adotada pelo Código, as custas seriam identificadas com as despesas, embora discorde dessa nomenclatura e sugira, de lege ferenda, que as custas sejam o gênero do qual despesas seriam espécie. O autor ainda exclui do conceito de custas aquelas que são impostas aos sujeitos do processo que retardarem o desenvolvimento do processo (art. 30 do CPC – custas excessivas) ou que litigarem de má-fé (art. 33 do CPC). Segundo o autor, se custas têm natureza tributária, não podem ser identificadas como sanção (PRUDENTE, Ajuris, p. 284-85).
Dessa Torre de Babel que é a nomenclatura atribuída aos gastos das partes no processo, pode-se tentar sistematizá-la, da seguinte forma: despesas processuais seriam o gênero no qual estariam abarcados todos os tipos de gastos realizados pelas partes no desenvolvimento da relação processual. Custas processuais seriam espécie do gênero despesas processuais e abarcariam todos os valores devidos pela realização de atos por agentes públicos envolvidos diretamente no desenvolvimento do processo, seja pelo juiz – sujeito da relação processual – seja por auxiliares da Justiça – escrivão, oficial de justiça, avaliador, contador etc. Honorários seriam espécie do gênero despesas processuais que remuneram, em caráter privado, as atividades desenvolvidas por advogados, peritos, intérpretes, tradutores etc.
Quando imputadas à parte cujo pedido restou rejeitado as despesas processuais são também chamadas de ônus de sucumbência.
As custas processuais têm natureza de tributo, da espécie taxa (art. 145, II, CF), e sujeitam-se √†s limitações ao poder de tributar previstas na Constituição Federal (arts. 150 a 152), conforme já inclusive assentou o Supremo Tribunal Federal (REP 895, DJACI FALC√ÉO; RE 116.208 MOREIRA ALVES).
Internamente, e conforme a legislação tributária de cada ente federativo – o que influi decisivamente para a confusão terminológica – as custas podem se subdividir em taxa judiciária, atos de escrivão, atos de oficial de justiça, contribuições para fundos de pensão públicos, caixas de assistência entre outros. Isso contudo não a desnatura enquanto tributo.
Dessa forma, e concluindo o raciocínio, pode-se afirmar que as custas processuais são espécie de despesa processual, com natureza de tributo, e por remunerar serviços prestados pelo estado, pode – observando-se, logicamente, as restrições constitucionais impostas – ter sua base de cálculo definida pelo próprio ente federativo prestador do serviço.
3.2 As custas processuais no estado do Rio de Janeiro: a taxa judiciária.
No estado do Rio de Janeiro, a taxa judiciária, um dos valores integrantes das custas, está prevista no art. 112 do CTE que a define como aquela que incide sobre os serviços de atuação dos magistrados e dos membros do Ministério Público, em qualquer procedimento judicial, sendo devida por todos os que recorrerem à Justiça Estadual, perante qualquer Juízo ou Tribunal, guardadas as exceções legais.
A taxa remunera, portanto, serviços judiciários prestados em um determinado processo ou procedimento que possa, por suas características, ser reputado autônomo e incide, à alíquota de 2%, sobre o valor do pedido, independentemente se este coincidir ou não com o valor da causa.
Valor do pedido é, de acordo com o art. 119 do CTE, a soma do principal, juros, multas, honorários e quaisquer vantagens pretendidas pelas partes. Vê-se, portanto, que a base de cálculo da taxa judiciária é a soma daquilo que se pede, tanto expressamente quanto implicitamente (juros legais – art. 293 do CPC; e honorários – REsp 849.732, ARRUDA, e Súmula 256, STF).
São, portanto, os contornos do pedido que influirão no valor a ser recolhido a título de taxa judiciária. E eles podem ser alargados ou restringidos, conforme a natureza ou o rito da causa.
Na tentativa de firmar entendimento sobre a questão, no sentido de saber-se quais são as hipóteses em que o valor do pedido sofre restrições para fins fiscais, excluindo-se por exemplo os juros ou os honorários, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, através do processo administrativo n.º173.410/2003, decidiu o seguinte:
“Em síntese, entendemos que, nos artigos 120, 121, 126, I, II, III e IV, 129, 130, I, 132 incluem-se no cálculo da taxa judiciária os juros, multas e honorários advocatícios, enquanto que nos artigos 122, 123, 124, 125, I, II e III, art. 126, parágrafo único, 127, 128, 130, II e III, 131 e 134, não haverá incidência da verba de juros, multas e honorários do cômputo da taxa judiciária”
As hipóteses tratadas naquele processo referiam-se √†s exceções legais, ou melhor dizendo, √†s peculiaridades de algumas ações em que o pedido não poderia ser enquadrado na regra geral do principal, juros, multa e honorários do art. 119 do CTE. Nenhuma delas refere-se à ação monitória que, assim, continua sendo incluída na regra geral para fins de apuração da base de cálculo da taxa judiciária.
3.3 A cobrança antecipada da taxa nas ações monitórias é indevida.
Dessa forma, tem-se que o estado do Rio de Janeiro cobra taxa judiciária sobre um valor que pode não integrar o pedido, pois a própria lei impede a sua cobrança. Dessa repartição dos ônus e dos riscos para o ajuizamento da ação, o que se observa é um generosa benevolência para com o erário e um ônus excessivo para o credor – de todos, o mais injustiçado, pois além de ter seu direito violado, é obrigado a abrir mão de medidas compensatórias do dano sofrido (como os honorários e o reembolso das custas), para ser ressarcido mais rapidamente, e nem assim conta com a solidariedade do estado.
Se o estado pretende incentivar o cumprimento espontâneo das obrigações, de modo a reduzir o número de processos, acelerar a prestação jurisdicional, e poder dedicar tempo e recursos a causas mais complexas que, de fato, reclamam ação enérgica do judiciário, não pode pretender fazê-lo apenas √†s custas dos outros. Do contrário, estará fazendo caridade com chapéu alheio.
Além de moralmente ilegítima, a cobrança da taxa judiciária sobre os honorários na ação monitória é ilegal pois violadora do princípio da tipicidade fechada do direito tributário e por importar em alargamento indevido da base de cálculo da taxa, sem que tenha havido a ocorrência do fato gerador respectivo.
Nem se diga que é por falta de alternativas. Aqui, expomos duas que nos parecem razoáveis a evitar a cobrança indevida. A primeira delas seria a de postergar a inclusão dos honorários na base de cálculo da ação monitória para um momento posterior ao decurso do prazo para cumprimento espontâneo da obrigação. Esse momento poderia coincidir com a conversão do mandado injuntivo em mandado de execução, inclusive condicionando a sua expedição à complementação daquelas custas. E a segunda no momento da resolução definitiva da lide, já imputando √†quele que não teve sua pretensão acolhida a obrigação de completar o pagamento da taxa judiciária, seja ele autor ou réu.
4. Conclusões.
À vista de todo exposto, pode-se concluir o seguinte:
(a) o ordenamento brasileiro não é uniforme quanto à terminologia utilizada para definir os gastos a que as partes estão sujeitas no desenvolvimento da relação processual;
(b) a jurisprudência e a doutrina também parecem pouco concordes quanto a conceituação dos termos custas, despesas, taxas, emolumentos, o que implica confusão, sobretudo, quando se está diante de um possível abuso por parte do poder público na instituição ou cobrança de tais valores;
(c) a conceituação que nos parece mais lógica seria a de entender despesas enquanto gênero do qual custas e honorários são espécies. A taxa é um elemento das custas e, como o próprio nome já diz, tem natureza de tributo, nos termos do art. 145, II, da Constituição Federal;
(d) no estado do Rio de Janeiro, a taxa judiciária está prevista no Código Tributário Estadual, tem como base de cálculo a soma do valor de tudo o que é pedido pela parte, seja ele expresso ou implícito, e é calculada à razão de 2% da base de cálculo;
(e) na ação monitória, quando o réu-devedor paga o valor constante do título monitório, se isenta da responsabilidade pelo pagamento das custas e dos honorários (art. 1.102, ¬ß1¬∫, do CPC), dessa forma não se poderia incluir na base de cálculo da taxa judiciária o valor dos honorários;
(f) na medida em que o estado faz incidir também sobre esse valor a alíquota da taxa judiciária alarga, indevida e ilegalmente, a sua base de cálculo e possibilita à parte autora, cujo título monitório foi satisfeito sem resistência, valer-se das ações para (f.i) ser restituída (arts. 165 a 169 do Código Tributário Nacional) do valor pago a título de taxa judiciária sobre os honorários cuja incidência a própria lei afastou, o que poderá ser feito mediante ação pelo procedimento sumário ou ordinário (art. 275, I, do CPC), ou mediante ação de mandado de segurança (art. 1ºda lei federal n.º1.533/51) cuja demonstração do direito líquido e certo estará condicionada à ilegalidade da cobrança e à prova de que o pagamento se deu de forma espontânea; e
(g) de lege ferenda, se poderia sugerir alteração na forma de cobrança, dentro dos limites da lei, uma vez que o CTE permite o pagamento até a resolução definitiva da lide, e sem que haja nem prejuízo nem locupletamento do erário: postergar a inclusão dos honorários na base de cálculo da ação monitória para um momento posterior ao decurso do prazo para cumprimento espontâneo da obrigação. Esse momento pode coincidir com a conversão do mandado injuntivo em mandado de penhora e avaliação, inclusive condicionando-o, ou mesmo com a resolução definitiva da lide, já imputando √†quele que não teve sua pretensão acolhida a obrigação de completar o pagamento da taxa judiciária, seja ele autor ou réu.
6. Obras Citadas
AMARAL, José Amir do. Algumas considerações sobre a Ação Monitória. Ajuris.
BERMUDES, Sérgio. Ação Monitória: primeiras impressões sobre a lei n.º9079 de 14.07.95. Revista de Direito do Tribunal do Estado do Rio de Janeiro. Jan/mar 1996.
CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del processo civil. ed. 1973, vol. I, n.º41.
PRUDENTE, Antônio Souza. Custas processuais. Ajuris 63/280.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Ed. Forense, 1987, p. 205.
TUCCI, Cruz e. Lineamentos da Ação Monitória. Revista do Advogado. SP, ed. Ago. 1995.